Você já ouviu alguém falar como só consegue trabalhar sob pressão? Ou melhor,
como as pessoas só procrastinam até o último momento para então fazer algo, e
acabando fazendo em poucos minutos o que deveria ter sido feito em dias?!
Praticamente todo mundo é assim em algum nível, talvez você mesmo seja, talvez
até eu seja (jamais saberão). O fato é que o motivo por trás disso é de amplo
conhecimento e é largamente utilizado em diversas indústrias, incluindo a de
jogos. “Como os jogos usam o pânico do último momento em mim?”, você deve estar
se perguntando. Bem, eles podem não usar o pânico do último momento, mas de
certa forma utilizam de emoções para fazer que você tenha uma série de ações
desejadas enquanto joga, e meu objetivo aqui é mostrar isso de uma forma mais
clara.
Mas seguindo de onde eu estava, talvez adiar o trabalho não seja
necessariamente natural, mas a nossa produtividade sobre prazos apertados e
situações estressantes é algo basicamente biológico. Quando estamos sob
pressão, tendemos imediatamente a ter mais foco em solução de problemas e em
atividades já aprendidas e a diminuir distrações. É uma questão de
sobrevivência.
Estudos sugerem que o funcionamento do cérebro humano, incluindo o
seu enquanto joga, pode se dividir em três níveis:
Visceral: O mais rápido e automático dos três, responsável por reações
imediatas a algo, tanto motoras quanto emocionais.
Comportamental: Ainda não
consciente, mas não tão automático. Por exemplo, para digitar este texto não
uso de reações viscerais. Enquanto o reflexivo pensa no que ser dito, o comportamental
age automaticamente pelo uso já aprendido das teclas.
Reflexivo: O nível realmente
consciente, que vai refletir sobre as ações e formar novos conhecimentos e
talvez novos procedimentos que podem inclusive ser incorporados aos outros
níveis.
Fato é que todos os sinais que nosso corpo recebe, são interpretados por um
nível e jogados para um próximo, mais consciente, que pode inibir ou aumentar o
julgamento do nível anterior. E depois do nível reflexivo pensar sobre aquilo,
o nível visceral reage e propõe um novo ciclo. Donald A. Norman, em seu livro: Design
Emocional - Por que Adoramos (ou Detestamos) os Objetos do Dia-a-dia,
defende que o resultado de tudo que se faz tem tanto um componente cognitivo
quanto afetivo. Enquanto o cognitivo atribui significado, o afetivo atribui
valor, e o seu estado afetivo, positivo ou negativo, vai efetivamente afetar
como nós pensamos.
Enquanto em estado afetivo negativo, ou seja, sob pressão,
nós tendemos a ter maior foco na resolução de problemas e cumprimento de
objetivos, em estado afetivo positivo, ou em maior relaxamento, estamos mais
distraídos, mas também mais propensos à criatividade e a processos mais
reflexivos.
O Design visceral nos jogos:
Talvez você já tenha compreendido aonde eu quero chegar com tudo
isso dito agora, mas deixe-me ser mais claro. A forma como nos sentimos diante
de uma situação vai afetar a maneira como pensamos, e por tabela de como
agimos. A forma como isso pode ser aplicada nos jogos é bem clara: Faça o
jogador atingir um estado negativo, possivelmente assimilando o perigo daquela
situação, e ele focará no problema.
Mas uma questão interessante é notar se o perigo está sendo apresentado ao
jogador de forma visceral ou reflexiva, e quais as influências disso.
Por exemplo, quem costuma jogar bastante, principalmente jogos de tiros em
primeira pessoa, sabe que ao encontrar uma área repleta de health kits e munição, algo ruim muito provavelmente está para
acontecer.

Bem, pode-se dizer que a sensação de perigo foi passada a jogador, mas de forma
reflexiva, e não visceral. Além do fato de que a sensação de perigo pode ter
sido indesejada, já que esses elementos podem ter sido adicionados para fins de
balanceamento e não como um aspecto de imersão ou experiência, a sensação de
perigo foi dada graças a uma vivência do jogador que associou aquilo ao perigo,
e o lado ruim disso é que apenas jogadores com essa vivência vão apresentar
essa sensação. Esta é a vantagem de trabalhar com o visceral: Ele tende a ser universal,
menos afetado por efeitos culturais ou de vivência. Tanto jogadores novos,
quanto experientes e de qualquer idade ou localização geográfica podem ter a
sensação que se deseja alcançar com o design focado na reação imediata e
emocional, ou Design visceral.
Também havia algo similar na série Megaman
X, onde havia um claro contraste entre o fluxo da fase e a chegada em um
chefe, através das portas que separavam ambos, com uma passagem de tela mais
lenta. Apesar de o contraste ser notável mesmo para quem nunca jogou a série,
isso não indica claramente o que está por vir; então, a partir de Megaman X4, foi incluindo um aviso na
tela junto com um som de sirene, para demonstrar de forma mais visceral o
perigo envolvido naquela situação.

Temos vários outros ótimos exemplos com o uso de som também, como em Silent Hill, onde a transição entre a
Silent Hill normal e a Silent Hill alternativa é anunciada por uma sirene.
Outro exemplo, e talvez o mais icônico disso que estou falando é algo
observável em toda a série The Legend of Zelda.
Deus, como eu odiava quando eu tinha só um coração e começa aquele apito,
incessante, até que eu recuperasse parte da minha vida, e eu ficava totalmente
focado naquilo porque só os céus sabem como eu queria que aquele som parasse. E
é exatamente o resultado desejado, com aquele som agudo e repetitivo. O jogador
entra em um estado afetivo negativo e passa a focar na sobrevivência.
Outro exemplo ótimo que utilizava mais do que apenas o som era Black, um ótimo FPS para Playstation 2. Enquanto
outros FPS utilizavam apenas de efeitos vermelhos na tela quando você estava
perto de morrer, em Black a tela ficava em preto e branco, o jogo entrava em slow-motion e não só o som do batimento
cardíaco da personagem ficava mais evidente, como até mesmo a vibração do
controle combinava com o batimento. Tudo isso para criar algo visceral que gerasse
um estado afetivo negativo e induzisse o jogador a focar na sobrevivência.

Então, em suma, ao deixar o jogador em um estado afetivo negativo,
ele focará na sobrevivência e poderá ter mais sucesso em realizar certas
tarefas, mas é necessário também entender o que pode ser um problema decorrido
disso.
A importância do estado positivo:
Ok, você pode
estar se perguntando agora: “por que não fazer isso sempre?”. Bem, o motivo
mais óbvio é que o jogo é uma experiência opcional. Se o jogador ficar em
constante estado negativo, a tendência dele é largar o jogo por acabar se
tornando uma experiência muito angustiante. Por mais tenso que o jogo seja, o
ciclo de tensão e relaxamento é extremamente importante, e é mais ou menos por
aí que gira o próximo motivo que quero falar agora.
O estado afetivo negativo possibilita maior foco para resolução de problemas,
quando a atividade para isso já tenha sido assimilada, mas pode causar um
fenômeno chamado “visão em túnel”, onde a pessoa está tão focada em solucionar
o problema com os processos que ela já conhece, que falha em ver alternativas,
e dependendo do momento que o jogador se encontra no jogo, isso é péssimo. Imagina tentar descobrir como se mata o ser abaixo com uma sirene no seu ouvido...

Quando há a necessidade de se aprender algo, ou trabalhar com áreas mais
criativas do pensamento, o estado afetivo negativo é péssimo. A imagem acima
diz tudo. Apesar desse momento do jogo ser obviamente de perigo, como todos os Colossi, o trabalho do jogador para
derrota-los não pode ser mecânico, e sim fruto de uma reflexão sobre como
proceder. Apesar de se conhecer as mecânicas, cada Colossus explora elas de uma forma diferente e o jogador terá que
descobrir como utilizá-la. Um estado afetivo negativo dificultaria muito mais a
tarefa para o jogador do que facilitaria. Uma das coisas que mais gosto de
notar sobre o uso de design visceral é a parte sonora, e as músicas de SoTC, por mais que indiquem a
grandiosidade da batalha, são até relaxantes e calmas, comparadas a musicas de
chefes de outros jogos que tem um foco mais “mecânico”.
Em Silent Hill isso também é
perceptível, não em relaxar o jogador mas em não tensionar demais o jogador,
principalmente do ponto de vista sonoro, quando ele está em um momento de
resolver quebra-cabeças do jogo. E isso é visível, ou deve ser, em quaisquer
jogos bem construídos que tenham quebra-cabeças. Tensionar demais o jogador
nessa hora irá atrapalha-lo e funcionar como um obstáculo. Se você quer que o
jogador execute, tensione-o; mas se você quer que ele aprenda, descubra e
explore, relaxe-o.
O estado afetivo como experiência:
Também é interessante destaca o estado afetivo que o jogo
proporciona não só como uma forma de afetar a maneira que se pensa e executa
ações do jogo, mas como uma maneira de se reforçar uma experiência que se
deseja para o jogador. Darei aqui basicamente dois exemplos, repetindo
primeiramente Silent Hill. Como um
jogo de terror, quanto mais em estado negativo o jogador
tiver, maior será sua sensação de perigo, e a tendência é que o medo seja maior.
Donald A. Norman destaca em seu livro
já mencionado alguns aspectos que despertam estado afetivo negativo nas
pessoas; são alguns deles:
Escuridão

Objetos Pontiagudos

Vômito

Corpos humanos deformados

Então... Acho que deu para ver bem como Silent
Hill usa do visceral para reforçar seu tema e a experiência desejada. Agora
vamos a um exemplo contrário que julgo bem interessante: Persona 4. Resumindo com o mínimo possível de spoilers, o jogo se
passa em uma cidade coberta por névoa (não, não confundi com o anterior) onde
estão ocorrendo assassinatos misteriosos. Apesar da sinopse tensa, todo o jogo
envolve uma temática de Blissful
Ignorance, onde o clima feliz das interações e a descontração de todo o
jogo contrasta com a parte mais densa da narrativa, e o jogo passa muito bem
disso utilizado de com batidas bem rítmicas e harmoniosas, tons saturados tanto
nos modelos e desenhos quanto em toda a interface, que também passa um clima
quente e feliz pelo uso do amarelo combinado com outras cores, e rostos
felizes. Muita alegria enquanto tem gente morta pendurada em postes.

Concluindo...
Trabalhar com jogos, ou com qualquer
outra mídia, envolve trabalhar com comunicação, transmitir ao seu público
aquilo que se quer, e muitas vezes, a forma mais fácil, efetiva e satisfatória
de se fazer essa comunicação não é num nível totalmente consciente, mas
despertando emoções desejadas. Emoções são universais e sempre estão lá, e são
elas que definirão de fato a experiência que o jogador teve com determinado
jogo. Dificilmente se lembra do que se pensou em determinado momento, mas o
sentimento, esse sim, é memorável. O
jogador pode não se lembrar das ações executadas, dificilmente irá, mas se
lembrará do que sentiu em determinado momento. Criar jogos é mais do que criar
desafios e recompensas; é sobre criar uma experiência e trabalhar com emoções.
Essa é a diversão do lado humano da coisa.
Ótimas impressões. Apesar de nunca ter ido, acho que esse foco em feira só de demonstração não é suficiente por aqui. Como você disse, se fizessem promoções de venda durante a feira acredito que venderiam horrores.